Ajuste na tabela de fretes faz produtores optarem por transporte próprio

Fonte: Correio do Povo-

A imposição da tabela de preços mínimos do frete, em vigência no país desde 30 de maio, provocou o efeito colateral de levar cooperativas e cerealistas a mudarem seus planejamentos. Muitas delas passaram a avaliar ou já partiram para a aquisição de frota própria para diminuir ou eliminar a dependência da terceirização, mesmo que isso, em alguns casos, signifique engavetar metas antigas em outras áreas. Nas últimas semanas, empresários do agronegócio vêm adquirindo veículos, pesquisando linhas de crédito nos bancos ou, pelo menos, agilizando estudos de viabilidade para investimento em equipamentos de transporte.

É o caso, por exemplo, da cerealista Vaccaro Agronegócios, de Erechim, que comprou três caminhões neste mês, ampliando a frota própria em 10%. O sócio-proprietário, Carlos Vaccaro, diz que o aumento dos custos com o frete foi fator determinante para a decisão e afirma que a opção se tornou “extremamente vantajosa”. Acrescenta, ainda, que se a tabela perdurar, a meta é elevar em até 80% a capacidade de transporte da empresa.

O gatilho para este movimento que levou cerealistas e cooperativas a estudarem a viabilidade de ter suas frotas foi o encarecimento do frete para o escoamento da produção agrícola, constatado após a implantação da planilha de preços pelo governo federal como condição para o encerramento da paralisação dos caminhoneiros. Nas últimas semanas, os preços do frete saltaram 29%, em média, segundo levantamento da assessoria econômica da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).

Se analisado o período de um ano, entre julho de 2017 e julho 2018, o valor do transporte de grãos no Estado teve um reajuste médio de 44%. Como exemplo, o transporte de uma tonelada de grãos de Cruz Alta para o Porto de Rio Grande, que custava R$ 57,00 há um ano e R$ 60,00 em maio deste ano, passou para R$ 82,00 com a vigência da tabela.

Em junho, a alta no frete provocou até a paralisação de negócios no interior do Estado. Esta “pisada no freio” ficou demonstrada nos dados da exportação do agronegócio gaúcho. Segundo a Farsul, a comercialização do complexo soja, principal item da pauta, recuou 35,38% em volume e 37,47% em valor no mês passado, em relação a maio.

A situação é lamentada pelo presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Bartolomeu Braz. “Nas últimas semanas, perdemos a oportunidade de nos beneficiar de um cenário excelente, com o câmbio se valorizando e com a briga comercial entre Estados Unidos e China”, constata. Segundo o dirigente, o enfraquecimento nos negócios já retarda a compra dos insumos e provocará atraso no plantio da próxima safra de verão, que, possivelmente, será feito com uso de menos tecnologia.

Braz alerta ainda que, enquanto não se define a nova planilha do frete (leia mais nas páginas centrais), não há parâmetros para os produtores conseguirem fechar suas vendas futuras e operações de troca para o ciclo de 2018/2019. “Está tudo parado por conta de um tabelamento arcaico, que já foi testado e não deu certo”, critica. O dirigente da Aprosoja Brasil confirma que a compra de frota própria por agentes do agronegócio vem sendo cogitada e colocada em prática em diversos estados. “O produtor sabe muito bem o que está fazendo. Trata-se da preservação do seu negócio”, analisa.

O presidente da Associação das Empresas Cerealistas do Estado (Acergs), Vicente Barbiero, estima que, atualmente, 30% do volume de grãos é transportado pelas próprias cerealistas e outros 70% por empresas transportadoras ou por cooperativas de caminhoneiros autônomos. Mas acredita que este quadro pode se inverter entre 2018 e 2019 se a tabela do frete continuar em vigor e, sobretudo, se não equilibrar bem os interesses de todas as partes.

Além disso, Barbiero diz que uma inquietação surge em meio a este novo cenário. Muitas empresas não vão dar andamento a projetos de construção de armazéns, já que não haverá condições financeiras para atender todas as áreas. “É algo que preocupa porque já temos um grande déficit de armazenagem. No ano passado, tivemos que armazenar soja a céu aberto”, lembra. “Em vez de o produto estar armazenado, vai estar em cima de caminhões rodando nas estradas já sobrecarregadas”, acrescenta.

O vice-presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (Fecoagro/RS), Darci Hartmann, alerta que, se o setor do agronegócio investir pesado em logística, a tendência é de uma superoferta de caminhões no país e, em consequência, grande ociosidade nos períodos de entressafra. “Na safra, o frete aumenta. Na entressafra, os valores caem. É a lei do mercado, que é soberano. Como vai ficar a partir de agora com esta tabela institucionalizada pelo governo?”, questiona. “Ao meu ver, foi construída uma solução pior do que era o problema”, avalia.

Alternativa em Estado

O desfecho sobre a tabela do frete irá determinar se as cerealistas e cooperativas do Estado farão maiores ou menores investimentos em frota própria. O presidente do Conselho de Administração da Cooperativa Tritícola Santa Rosa (Cotrirosa), Eduíno Wilkomm, diz que a aquisição de caminhões é uma possibilidade cogitada pela empresa, que já começou a avaliar o assunto em reuniões internas. “Vamos aguardar a nova tabela e tomar as decisões, sempre priorizando o que for melhor para os produtores rurais”, comenta Wilkomm. Ele diz que reconhece a luta dos caminhoneiros, mas enfatiza que a planilha encareceu e engessou as negociações entre as partes.

O presidente da Cotrirosa recorda que até a paralisação dos caminhoneiros era possível praticar dois tipos de preços de frete. Um era para a ida até o Porto de Rio Grande com cargas de grãos. O outro era o do trajeto de retorno, quando o caminhoneiro aceitava cobrar um preço reduzido para transportar os insumos. “Fazíamos um frete casado que era muito bem visto e aceito pelo caminhoneiro, porque ele não precisava voltar com o veículo vazio”, lembra o presidente, ao apontar que a tabela acabou com este tipo de ajuste, ao estabelecer preços fixos.

A compra de caminhões também está nos planos da cerealista AB Comércio de Cereais, de Nonoai. Segundo o proprietário, Alecio Antônio Bringhenti, a empresa começou a fazer um estudo de viabilidade depois de arcar com prejuízos diante dos acontecimentos recentes. Nas últimas semanas, conforme Bringhenti, o valor do transporte da tonelada de soja para o porto saltou de R$ 100,00 para R$ 144,00. Este aumento não estava previsto nos contratos que a cerealista tinha fechado com as tradings, que precisaram ser honrados.

O dono da Cepal Cereais, com sede em Camargo, Roges Pagnussat, diz que a empresa, com mais de 70 anos no mercado, sempre contou com um setor de transportes e que, se não fosse isso, “as atividades da cerealista estariam inviabilizadas”. No momento, a empresa pesquisa linhas de financiamento para ampliar em 15% a frota, o que a tornaria autossuficiente em transporte. Os novos veículos seriam inseridos à frota atual a partir de 2019, já que as empresas montadoras pedem alguns meses para a entrega. Só que, para assumir o peso deste investimento, Pagnussat reconhece que terá que adiar o projeto de um novo ponto de recebimento de grãos.

Outra empresa que barrou o andamento de projetos foi a Vaccaro Agronegócios, de Erechim, que neste mês comprou três caminhões. “Tínhamos uma ampliação da armazenagem prevista para ser executada até o final do ano, mas vamos deixar para 2019”, diz o sócio-proprietário da cerealista, Carlos Vaccaro, que acompanha com ansiedade o desfecho do tabelamento do frete. “Não somos contra a tabela, mas o valor atual está muito acima do que podemos pagar”, afirma.

Trem poderia ser mais utilizado

Enquanto amadurecem a ideia de ter frota própria de caminhões, cooperativas e cerealistas também cobram do governo federal mais investimentos no modal ferroviário. “Nada faz mais falta do que isso”, lamenta o presidente do Conselho de Administração da Cotrirosa, Eduíno Wilkomm. Atualmente, há operação de cargas por ferrovia apenas no trecho de Cruz Alta a Rio Grande, mesmo que o Rio Grande do Sul conte com 3,2 mil quilômetros de malha ferroviária.

No país, o transporte sobre trilhos representa apenas um quinto da matriz de cargas, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT). “Infelizmente, as ferrovias no Estado estão abandonadas e o que funciona ainda é lento e de baixa capacidade”, queixa-se Wilkomm.

Um dos diretores da Copagril, com sede em Ijuí, Gregório Ferreira, diz que a empresa usa a ferrovia de forma mais constante há seis anos e que a vantagem em relação ao modal rodoviário é o volume transportado, mesmo que os custos se assemelhem. Ao encher dois vagões com grãos, três caminhões deixam de circular nas estradas. Ferreira comenta que só não amplia o escoamento de grãos pela linha férrea porque não há capacidade de atendimento por parte da empresa que opera o sistema sobre trilhos no Estado.

Cautela é recomendável na análise

Antes de mobilizar altos valores para a compra de caminhões, empresas e cooperativas devem colocar na balança as vantagens e desvantagens do investimento. Para o pesquisador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-Log/USP), Fernando Pauli de Bastiani, ainda é cedo para os empreendedores tomarem decisões acerca da aquisição ou da ampliação de frota própria. Ele recomenda que as empresas aguardem o posicionamento do governo federal para resolver o caminho que vão seguir.

Caso a nova tabela, que está em fase de elaboração, continuar a encarecer o frete, Bastiani sustenta ser vantajoso amadurecer a ideia da aquisição de caminhões. Segundo o pesquisador, no Rio Grande do Sul, a planilha adicionou R$ 15, em média, ao transporte de cada tonelada de milho, soja e trigo. Se este custo adicional persistir na planilha futura, se justificaria empregar recursos em logística.

Mas há também desvantagens. Bastiani alerta que, ao incorporar o setor de logística na empresa, será preciso contratar caminhoneiros e uma equipe para gerenciar este departamento e resolver os problemas que aparecerem. “Não é só o frete que tem que ser observado. A expertise de uma transportadora é diferente da de uma cooperativa”, compara. O pesquisador também comenta que, ao investir em caminhões, a empresa tem que levar em consideração que haverá um excedente de veículos nos períodos de entressafra. “O empresário tem que contabilizar o custo de um caminhão parado, sem produto para movimentar”, observa. Também entram na conta o custo com a manutenção dos veículos e o próprio consumo de diesel, que foi o item que fez a greve dos caminhoneiros eclodir em 21 de maio.

O diretor executivo da Fecoagro/RS, Sérgio Feltraco, diz que nos últimos anos predominou a tendência de terceirização do serviço de transporte por parte das cooperativas, até para não movimentarem altos valores, “que se perdem com o tempo”, pelo uso e desgaste dos veículos. Mesmo que os fatos novos façam algumas empresas reconsiderarem os planos futuros, Feltraco ressalta que é preciso ter cautela e priorizar a qualidade dos serviços prestados essencialmente pelas cooperativas. “O importante é que a solução seja sustentável”, aconselha.

Caminhoneiros defendem tabela de preços mínimos

O presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística no Estado (Setcergs), Afrânio Kieling, diz que seus associados não perceberam até o momento perda de clientes do agronegócio. Embora admita ser “justa” a posição das cooperativas e cerealistas que passam a utilizar frota própria, não recomenda a opção. “Quem é bom jogador de futebol, não vai ser bom em basquete”, compara, referindo-se à especialidade das empresas de cada área.

Para Kieling, apesar de a primeira tabela ter “muitas inconsistências”, agora ela é lei e precisa ser cumprida. O dirigente diz que todas as entidades podem contribuir com subsídios para a elaboração da outra planilha encaminhando sugestões à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), até 3 de agosto. O Setcergs já fez a lição de casa. Discutiu o assunto com os associados e repassou informações à autarquia. “Acredito que será encontrada uma equação que ficará boa para todos”, espera.

O presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos do Rio Grande do Sul (Fecam/RS), André Luis Costa, observa que quem não estiver respeitando a tabela de precificação em vigor ficará sujeito a denúncias e penalidades. “O agronegócio é o setor que mais reclama, mas há 25 anos o frete não sobe”, diz. “Neste momento todos têm que ser justos, coerentes e ter bom senso porque, felizmente ou infelizmente, o transporte rodoviário é o mais usado e enquanto isso não mudar todas as partes terão que conviver”, acrescenta Costa, que diz que a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), a quem a Fecam é associada, já protocolou suas propostas na ANTT.

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